Da coleção de histórias curtas – o trágico fim de Tomas, o gato.

Dizem que gato absorve energias negativas e eu andava achando que a minha casa precisava de proteção. Ao mesmo tempo meu caçula estava me pedindo um bichano. O único problema era que meu marido odiava gatos. Mas, como já tínhamos aprendido que para ele ser conquistado por um bicho bastava tê-lo no colo, convoquei então minha comadre, madrinha do caçula, para fazer parte de um plano para ganharmos um gatinho amarelo. Foi assim que em um Natal ela apareceu com um filhote na bolsa e deu a criatura de presente surpresa para o meu marido. Foi batizado de Tomas. Desejo do seu afilhado resolvido.

Minha sobrinha com Tomas bebê e seu olho defeituoso.

Tomas bebê era um gato listrado de amarelo e laranja, tipo Garfield, mas magrelo e com um dos olhos defeituoso e lacrimoso. Sequela de doença neonatal. Resgatado de um abrigo, foi um bicho de sorte, que tinha ganhado uma vida de rei. Era sacana, como todos os gatos típicos, se escondia atrás da porta para assustar nosso cão salsicha e só aceitava carinho quando queria. E mesmo assim o afago podia terminar com uma mordida, sem nenhuma justificativa.

Nunca me acostumei com a irreverência felina, prefiro cachorro babão e de amor incondicional. Mas ele conquistou o meu marido, que era quem mais gostava dele lá em casa, além, claro, do caçula. Também suspeito que tenha ajudado na tal reversão da energia negativa, pois vivia deitando nas nossas barrigas e dizem que fazem isso para restaurar nossos chacras.

Era uma história feliz, de um gato mais ou menos bonzinho, com pequenas demonstrações de malevolências, como o dia em que urinou na cabeça do primogênito, que o odiou por uns bons tempos.

Mas na época da pandemia, construirmos um pequeno laguinho no jardim da minha casa. Tomas tinha uns 8 anos.

Ficamos muito felizes com esse cantinho, bem na porta do nosso quarto, com direito a um Salgueiro, muitos peixes coloridos, uma linda flor do deserto gigante, espreguiçadeiras e fogueirinha para dias frios. Meu marido passava o final de semana cuidando das características da água, das pedras, dos filtros e das plantas.

No começo tivemos alguns acidentes de percurso, típico de iniciantes cuidadores de peixes, com alguns óbitos. 🫣 O Tomas, que eventualmente caçava borboletas e rolinhas, não parecia se interessar pelas criaturas que habitavam por ali.

Depois de alguns meses, os peixes começaram a sumir, um a um, com intervalos de alguns dias. Encontramos alguns corpos mutilados e inicialmente culpamos os Bem-te-vis, pois tínhamos muitos fazendo ninhos por ali.

Mas um dia pegamos Tomas no flagra, comendo um peixinho dourado lindo. E foi aquela broca…sermões de todos os lados, alguns gritos bravos, a família toda zangou com ele. Aconteceu em um fim de tarde de uma sexta-feira, de um outubro friento. Preocupados, fomos dormir pensando em soluções.

Eu acho que eu vi um gatinho…

Eis que amanhece o dia de sábado e o meu marido, que acordou primeiro, se depara com uma cena de horror. Me grita e me levanto apavorada. Em volta do laguinho, distribuído sistematicamente em toda extensão de sua margem, mais de 10 peixes destroçados: cabeças sem corpos, corpos sem cabeças, pedaços indecifráveis, cabeças sem olhos… Filme de terror.

Ainda em estado de choque com a cena, ouço um ultimato, para que eu sumisse com o bicho para sempre, antes que ele mesmo decretasse o seu devido fim. E seguiu-se um drama em família, com brigas e muita confusão, até que levei o gato para a casa da minha mãe, que aceitou a adoção.

Mas gato não é assim. Não se adapta fácil e se revoltou no seu novo lugar. Mesmo tendo todo conforto, passou somente dois dias por ali, fugiu por sua própria decisão e nunca mais voltou ou apareceu na nossa casa. Foi bem triste. Decretado o fim do reinado do nosso único gato.

Difícil entender esse instinto, que não conseguimos desassociar de crueldade. O caçula sente saudades e mesmo eu, que nem gostava muito dele, sinto falta de sua presença meio invisível e do seu quentinho na minha barriga. Mas, foi impossível conciliar dessa vez. O meu marido Ogro ficou irascível.

Como diz um amigo: vida que segue.

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